Para se ter uma ideia de como é encantadora a paisagem, deve-se criar um quadro em sua imaginação, pintando com tudo que a natureza tem de mais delicado`, Estas foram às palavras usadas pelo naturalista francês Auguste Saint-Hilaire, quando visitou a Serra da Canastra no início do século 19. Nos dias de hoje, estas terras que tanto impressionaram o naturalista continuam arrancando suspiros de seus visitantes. O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado em abril de 1972 com o principal objetivo de assegurar a proteção da nascente do Rio São Francisco e de outras nascentes contidas nesta região.
Com uma área de 200.000 hectares, a vegetação é tipicamente de cerrado com algumas manchas de Mata Atlântica, sendo visível uma área de transição entre os dois biomas. O relevo do parque é formado por algumas serras e na parte alta se destacam a Serra da Canastra, Serra da Zagaia e a Serra do Cemitério, já nas encostas dos chapadões as descidas são íngremes e com precipícios. Numa destas encostas da Serra da Canastra está a Cachoeira Casca D`anta, a primeira queda do Rio São Francisco, que despenca 186 metros até um grande poço, já na parte baixa do parque.
A Casca D`anta além de ser uma das mais belas cachoeiras de Minas Gerais, após sua queda, as águas seguem por entre rochas, formando um rio de águas puras e cristalinas, ambiente ideal para abrigar uma espécie com alto risco de desaparecer, o `Pato Mergulhão`, que está na lista das 10 aves mais ameaçadas de extinção do planeta. Uma família de patos, sendo um casal e dois filhotes, está freqüentando estas águas e com um pouco de sorte e muito silêncio é possível ver a família navegando calmamente pelo rio. O mergulhão tem características peculiares, sua plumagem tem tons de verde escuro e preto e na sua cabeça chama atenção um penacho, uma espécie de topete virado para trás.
Falando em animais ameaçados, outras 3 espécies do Cerrado brasileiro beiram a extinção e costumam andar na parte alta do parque, duas delas ainda podem ser vistas com facilidade, o tamanduá-bandeira e o lobo-guará, já o tatu canastra, que pode chegar a 60 kg de peso e leva o nome da serra, dificilmente é encontrado. A ONG Pró-Carnívoros desenvolve na Canastra um trabalho valioso de estudo e monitoramento dos lobos-guará e também com pequenos roedores, segundo Fernanda, pesquisadora do projeto, nos últimos anos a população de lobos da região tem se mantido estável e a espécie encontra nesta área os alimentos necessários para a sua sobrevivência. Alguns indivíduos receberam um rádio-colar e podem ser monitorados mais de perto, registrando com mais precisão as rotas e o comportamento da espécie.
O parque vem atravessando uma fase conturbada desde a sua criação, a ampliação da unidade tem gerado uma grande revolta de alguns fazendeiros da região e a reação é a pior possível, incêndios criminosos já castigaram duramente o parque. Em 2006, ocorreu o maior incêndio da história onde cerca de 40.000 hectares foram queimados, mais da metade da área da unidade, uma grande ameaça a fauna e a flora da região. Esta foi também a maior operação de combate do PREVFOGO, órgão dentro do Ibama responsável pelo combate a incêndios em unidades de conservação. Participaram da operação 81 brigadistas, 3 helicópteros, 3 aviões, mais de 10 veículos e o combate durou uma semana até extinguir o último foco na mata. Os brigadistas do Ibama não mediram esforços, combatendo dia e noite o fogo em áreas de difícil acesso, passando frio, calor, cansaço, verdadeiros heróis que muitas vezes não tem o trabalho reconhecido pelos meios de comunicação, onde jornalistas despreparados dão crédito somente aos bombeiros.O tamanduá-bandeira circula tranqüilo pelo parque, normalmente no período da tarde eles iniciam as atividades, percorrendo grandes distâncias em busca de formigas e outros insetos nos cupinzeiros dos campos. Andando pelo parque é bom ficar atento, o tamanduá se movimenta devagar, suas cores escuras se confundem no horizonte, mas na maioria das vezes o visitante consegue avistar até mais de um indivíduo numa tarde.
Para Joaquim Maia, atual chefe do parque, um trabalho de inteligência do Ibama, Polícia Militar, em conjunto com a Polícia Federal vem tentando descobrir os responsáveis por estes crimes. Nos próximos anos alguns planos de prevenção serão elaborados e vão coibir a ação destes criminosos, impedindo que outra tragédia desta magnitude volte a acontecer. Muitos locais queimados pelo fogo se recuperam rapidamente, em poucos dias já é possível ver a vegetação brotando nos campos, flores surgem em poucos dias, uma resposta imediata da natureza e que conforta os visitantes. As árvores de grande porte já não têm a mesma sorte e depois do fogo elas desaparecem para sempre da paisagem.
Apesar desta triste realidade, a Serra da Canastra tem muitos atrativos, entre eles a enorme quantidade de aves que tem atraído um tipo de turista muito bem-vindo, geralmente estrangeiros, conhecidos como `Birdwatchers` ou seja, observadores de pássaros. Estes amantes das aves movimentam a economia do lugar, tem uma grande consciência ecológica e tiram somente fotografias, respeitando a integridade dos parques. Na parte alta há muito que se ver além dos bichos, o cenário de campos limpos e vegetação rupestre entre as rochas parecem mesmo pinturas ao ar livre.
Há também outras belas cachoeiras como a do Rolinhos, a parte alta da Casca D`anta, e muitas trilhas ecológicas. Algumas pousadas ainda oferecem passeios de ecoturismo e atividades radicais. Outro ícone desta região que pega os visitantes pela boca e não pode passar despercebido, está nos arredores da Canastra, em pequenas fazendas onde é produzido o delicioso `Queijo Canastra`. Uma consistência diferente, sabor único, é impossível experimentar e não levar um para casa.
Esta soma de belos atrativos, a preciosa nascente do `Velho Chico`, a facilidade de avistar bichos do cerrado, aliados uma boa estrutura para receber visitantes fazem deste parque um dos mais procurados em Minas Gerais por turistas do Brasil e do exterior. Esperamos que os fazendeiros da região vejam o parque como um aliado à preservação deste ambiente tão valioso para as futuras gerações, pois seus filhos ainda podem precisar das águas dos rios e das matas que protegem todas as nascentes que brotam no alto da serra. Colocar fogo nas matas com certeza não é uma atitude digna de quem depende da terra para o seu sustento.